Fluência na Cooperação
Ao longo do meu processo de investigação sobre a cooperação, tenho presenciado a força superior de iniciativas que combinam a reflexão e a conversa a respeito do tema com a aplicação e vivência da cooperação. Isso pode ocorrer por meio de diversas formas como palestras com jogos cooperativos, práticas de conversações e outras metodologias colaborativas, ou ainda, por meio de práticas diárias simples, como perguntar a alguém "Como você está? " e realmente estar aberto para escutar a resposta.
O ponto é que juntando reflexão, conversas, boas perguntas e práticas podemos avançar de um jeito mais efetivo em outras formas de colaborar socialmente.
Quando comecei a pós-graduação em pedagogia da cooperação, eu não tinha esse olhar. Foi preciso ouvir e praticar.
Foram dois anos reunida com um grupo de 30 pessoas falando, debatendo, aprendendo, discutindo e praticando cooperação. E a cada conteúdo, exercício ou partilha sobre as percepções e aprendizados de cada um, eu enxergava minhas limitações, meus condicionamentos, minhas atitudes automáticas e mais uma série de sensações intensas.
Consegui ver com clareza, por exemplo, meu condicionamento competitivo. Em diversas dinâmicas ele aparecia. O facilitador nunca falava em competir, ou em prêmio, ou ainda que o objetivo era chegar primeiro, mas, era assim que eu interpretava as atividades, afinal, eu precisava ganhar. Certa vez, em um dos momentos de troca após uma prática, nos foi pedido para dividir com nossa dupla o que havíamos notado e experimentado, e esse momento foi revelador para mim. Meu par me disse que ele tinha se sentido desconfortável com a atividade, porque a via como competitiva e que ele ficava preocupado com as pessoas ao redor que podiam cair, sofrer algo, não conseguir. Eu, por minha vez, disse a ele o que acabei de compartilhar com vocês, que eu havia percebido o quanto estava condicionada para a competição. Perguntei porque ele se sentia daquela maneira e pensava nos outros nessas situações, então ele me explicou que nunca teve habilidades esportivas, que era difícil o momento da educação física na escola, por exemplo, e que então se preocupava com as pessoas nessas situações porque lembrava como era ruim para ele. Eu não poderia pensar ou agir da mesma forma... eu adorava o momento da educação física, era a capitã do time, era atleta, treinava todo final de semana, adorava aquela sensação de competir. E com essas duas experiências de vida distintas, eu e ele tínhamos reações igualmente distintas, cada um enxergou o jogo de acordo com sua interpretação, sua vivência, sua necessidade. Comecei a me sentir culpada e ao mesmo tempo interessada nessa descoberta sobre mim. Lembro que o nosso facilitador, então, continuou a aula explicando que as nossas respostas automáticas são legítimas para a nossa sobrevivência e que não podemos nos culpar tanto, que precisamos ser generosos com nós mesmos. E completou “precisamos olhar as sementes que estão dentro de nós, procurar nos curar pela via da cooperação”.
Nesse momento, uma aluna angolana pediu a palavra para compartilhar sua reflexão e dúvida. Ela falava sobre a descoberta de um novo minério em um país africano e como via que tudo, mais uma vez, estava se encaminhando para o mesmo desfecho de exploração em território africano como o que acontece com o diamante. O depoimento dela foi longo e impactante. Sua pergunta foi “como amar esse outro que nos rouba, que nos explora, que nos usa?” Aqui, imagino que, como ela, todos nós temos angústia semelhante, ainda que o nosso explorador possa ser outro. Não ouvimos uma resposta, passamos alguns minutos refletindo e nosso instrutor finalizou aquela dinâmica afirmando que nós todos podemos operar no universo do amor incondicional, aquele amor natural, e que fora disso, vivemos no amor condicional, e que ferramentas e atividades de cooperação podem ajudar a ampliar as possibilidades para este olhar não condicionado.
Eu ainda estava incomodada com a questão da competição x cooperação quando ele afirmou que todo mundo joga para ganhar, mas, que é possível fazer isso de três maneiras – 1. Jogando para ganhar junto, 2. Jogando contra o outro, 3. Fingindo que está jogando ou não jogando – apenas se defendendo e nesse caso, não se relacionando, deixando claro ao outro que não precisa dele. Esse foi outro balde de água fria, uma vez que me via muito mais no modo 2. E, então, ele afirmou:
“Não há um único jeito de fazer as coisas, eu tento me manter jogando junto, mas, não consigo o tempo todo. O importante, porém, é saber qual dessas maneiras de jogar você quer seguir, para que, quando você se perder, você saiba para onde voltar”.